sexta-feira, fevereiro 10, 2006

No teu Rosto


Naquela praia, numa qualquer alvorada desta existência que nos desconsola, dizemos palavras que nunca mais iremos repetir! Nunca mais!

Por entre juras, despedidas, silêncios e êxtases, sulcamos na areia um baixo relevo surrealista e efémero, que será o testamento de tudo o que temos para deixar! A próxima maré encarregar-se-á de o levar para bem longe, quem sabe se para o sítio para onde nós própios vamos. Quem sabe?!

Cansados, contemplamo-nos, procurando reter imagens que sabemos não poder ver mais.
No teu rosto, ainda por secar, está ainda uma cascata de emoções carpidas ao som daquela balada que ouvimos na noite em que nos conhecemos, e ao som da qual começamos a escrever esta história. Com as minhas mãos seco-o, com a minha boca beijo-o. Juntos, levantamo-nos, e com os olhos postos no horizonte distante, caminhamos de mãos dadas na direcção do mar.

Nossos corpos, nus, húmidos, quentes, dirigem-se mar a dentro, incendiando um mar que nos presenteia com a espuma das ondas.
Continuamos nadando, quando a água já não nos permite a fluência do andar. Nadaremos até que a fraqueza nos tulha os membros, e não nos permita o retorno, não nos permita que voltemos para trás, não nos permita que voltemos ao que éramos, áquilo que o destino nos foi impondo: a distância, a separação, o sofrimento!

Nossos corpos, nus, cansados, mornos, param de nadar e fitamo-nos demoradamente. Tentamos descobrir na boca do outro, a diferença entre o salgado da água que engolimos, e o salgado das lágrimas que morreram no canto dos nossos lábios.
Vamo-nos afundando sem oferecer resistência ao mar que nos engole, apertamo-nos uma última vez, como nos aperta a força do sentimento que nos uniu.
Descemos na escuridão do mar, para nunca mais sentirmos este sentimento que nos destruíu, para nunca mais nos sentirmos, para nunca mais ninguém nos sentir.

Seremos recordados, como o são aqueles que seguiram o seu caminho, na procura do que ousaram sonhar.

Mais tarde, quando a maré deixar secas as areias da praia, estaremos lá deitados, abraçados, nus..., rijos..., frios..., mortos!

No teu rosto, já secos, os limos que te afagaram a cara na tentativa de te secarem as lágrimas quando eu já não to pude fazer.


Lisboa
2000 Setembro 15
4H20M