terça-feira, fevereiro 07, 2006

A clareira


Penetro na noite escura o denso mato do sofrimento.
Também tu penetraste no meu coração, o aconchegaste, e logo partiste sem que se habituasse a tua presença.

A ver-me está a lua, cujo deslocar me transporta a sombra, a sombra que ignora as lágrimas que choro por ti!
Por ti que me ignoras por ti que não consigo ignorar!
Nesse mato do sofrimento, onde teimo em me querer perder, carpo mágoas, dores, amores, que podiam ser amores-perfeitos mas que não chegaram a despertar da semente podre que lancei em terra por arar!

Desvirgino o mato com a minha passagem, o manto de folhas secas parte-se com o peso da dor que sinto, abro um caminho que não terá retorno, que me levará até uma clareira donde não quererei regressar, donde não o poderei fazer.
Nessa clareira encontrarei uma árvore, uma árvore com ramos, ramos fortes onde poderei pendurar a corda que me abraçará quando já não o quiseres fazer!

Na cara terei um sorriso, que recorda um beijo sentido, proíbido mas inconsciente, ...nos olhos abertos, esbugalhados a boca onde dei e da qual recebi esse último beijo!

Nos braços escorridos ao longo do corpo, as mãos que te acariciaram, que te secaram as lágrimas vertidas numa manhã que prometi nunca ser motivo pra escrever uma história. Foi a minha última manhã feliz, foi hoje de manhã, foi a minha última manhã!
Quando a próxima manhã chegar, levará a lua, trará o sol e com ele virá o calor que fará evaporar o silêncio das palavras com que não te surpreendi, a serenata com que não te encantei.

Hó inábil criador que tão imprefeito me fizeste, hó desgraça que nunca me largaste, a tua mão foi demasiado forte para que eu te conseguisse fugir, fica-me o consolo de não me prenderes nem mais um dia, porque nem mais um dia terei!

Lisboa, 30 de Março de 1997